Fazer gestão ou estudar marcas significa, necessariamente, compreender o contexto onde estão inseridas, ou seja, entender com profundidade a própria contemporaneidade. Sempre afirmo aos meus alunos de Publicidade e Propaganda, que a matéria-prima da profissão é a própria realidade na sua forma de cultura. A atividade publicitária bebe da cultura para desenvolver e criar suas estratégias.
E tem algumas formas de analisarmos o contemporâneo, duas delas dizem respeito aos atalhos VUCA e BANI.
O VUCA é um conceito, ou melhor, um acrônimo que tem como objetivo sintetizar as principais características de um momento histórico – especificamente, pós fim da Guerra Fria (EUA X União Soviética | Democracia X Comunismo). VUCA significa:
Vulnerability, Uncertainty, Complexity, Ambiguity ou no bom e velho português – vulnerabilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade
Muitas dessas características fazem sentido atualmente. Por exemplo, o ambiente político brasileiro nos mostrou o quanto a incerteza é um qualificador extremamente assertivo. Entretanto, o ambiente pós Guerra Fria trazia outras características - em virtude de sua configuração sócio-histórica - que, de maneira geral, encapsulavam ou eram encapsuladas pelo VUCA. E eram características menos complexas do que aquelas que vamos retratar aqui.
Agora vem a bomba, o mundo BANI
Brittle = frágil
Anxiety = ansioso
Non linear = não linear
Incomprehensible = incompreensível
Fazendo um paralelo interessante com o VUCA, vamos notar que vulnerabilidade e complexidade promovem ou provocam fragilidade, bem como incerteza e ambiguidade incentivam estados de ansiedade e quando se juntam as 4 características, vulnerabilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, teremos ambientes não-lineares e incompreensíveis.
O BANI, de fato, está à nossa volta, basta considerarmos a semana que passou. De uma hora para outra surgiu o KOO - (a não linearidade dos fatos provoca ondas de mudanças intensas e incompreensíveis) como um substituto viável e divertido para o Twitter – que tem sofrido com a instabilidade de uma gestão incompreensível. E a Copa do Mundo - com sua pseudo-organização - se mostrou frágil em relação ao país sede e todas as suas restrições religiosas e comportamentais. Algumas das restrições impostas pelo Qatar: manifestações LGBTQIA+, como o uso de bandeiras, estão proibidas, assim como a demonstração de afeto em público (independentemente da orientação sexual), e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios (BBC).
Além disso, diversas federações europeias definiram que seus jogadores não poderiam usar uma braçadeira com as cores do arco-íris, para que não recebessem cartão amarelo durante os jogos. A opressão parece ser uma constante nos mundos VUCA e BANI.
O BANI é o desdobramento do mundo VUCA
Marcas que vivem e expressam a contemporaneidade precisam entender o que está acontecendo, para tomar decisões assertivas. Não basta a organização ser orientada por dados (data driven) e fazer uso do volume incomensurável de informações disponíveis para construir estratégias, se não tiver noção concreta do que se passa à sua volta.
O BANI é esse atalho para entender a fragilidade do momento e o quão a não-linearidade – portanto, a falta de previsibilidade – impacta no comportamento das pessoas, gerando uma epidemia de ansiedade. Quanto mais ansiosa fica a sociedade, maior é sua dificuldade em compreender o que acontece à sua volta e isso, também, vale para as organizações.
Em vez de confiar numa business intelligence casual, as empresas devem construir um amplo sistema de alerta, que lhes permita observar a frente, os lados e os fundos. Em vez de falar superficialmente sobre planejamento para contingências, devem fazer planejamento de cenários. Em vez de estabelecer um orçamento fixo para cada departamento, devem definir orçamento variável (KOTLER).
Kotler (o papa), deixa claro nessa entrevista que a imprevisibilidade é fator preponderante nos cenários atuais, além disso, um artigo mais que interessante do MIT afirma que:
[…] a quantidade de dados que empresas, governos e indivíduos criarão nos próximos anos será o dobro do total de todos os dados digitais gerados anteriormente desde o início da era da computação (International Data Corporation – IDC).
Deu vertigem? É de deixar tonto.
Quer dizer, nos próximos anos a humanidade produzirá tanta informação, que será mais que o dobro de tudo o que foi gerado até agora (estava sentado enquanto lia esse artigo do MIT e não fui ao chão).
No mesmo artigo, o MIT é categórico ao afirmar que uma quantidade absurda de informação será perdida, seja por falta de armazenagem, por problemas de compatibilidade de software ou por falta de capacidade de ler e administrar dados que estejam em formatos em desuso.
Incompreensível? Vivemos em uma sociedade onde o fetiche pelo armazenamento de dados tem se mostrado exponencial ao longo das décadas e imaginar que mesmo isso não seja suficiente, dá um frio na barriga enorme. Perder dados, em uma sociedade onde tudo se grava, filma, fotografa, registra é incompreensível e assustador.
E se, por acaso, você ficou curiosa/curioso para saber o que o BANI tem, realmente, a ver com marcas, sugiro que aguarde a próxima 4ª feira, o BRDD#07.
Eu sei, eu sei, a ansiedade vai rolar solta nessa semana, mas sinto lhe dizer que neste momento será necessário conviver com a linearidade do tempo cronológico e aguardar, mesmo que nossa fragilidade emocional nos lance em busca de chazinhos e maracujinas para nos acalmar.