De certa forma, imagino que já tenha ouvido ou lido algo sobre arquétipos, ou ainda escutado algum comentário a respeito. Arquétipo é uma daquelas expressões que perpassa nosso imaginário e faz parte da cultura, mas ao mesmo tempo parece algo não tão simples de apreender. É uma palavra em volta em certo “misticismo”, como se fosse algo misterioso, mas a verdade é que diz respeito a um conceito interessantes e bem usado nas ciências sociais (antropologia, comunicação, marketing) e na psicologia.
Então vamos lá.
ARQUÉTIPOS
Arquétipo diz respeito a determinadas construções imagéticas de compartilhamento coletivo. São construções preenchidas de conteúdos gerais e encontradas em diferentes povos e culturas. O depositório dessas construções é chamado por Jung de Inconsciente Coletivo – um espaço cognitivo coletivo que carregaria imagens universais e primordiais.
Por exemplo, a mãe (arquétipo) está presente em diversas culturas e religiões, carregando sentidos gerais compartilhados como: acolhedora, amorosa, carinhosa entre outros.
Perceba que no quadro acima cada cultura encontra uma forma de representar essa “imagem arquetípica”, portanto, é preciso levar em consideração os valores culturais quando for desenvolver o arquétipo para a marca. As representações podem acontecer na arte, na mitologia, na religião, nos sonhos e alucinações.
Essas imagens coletivas gerais e primordiais, justamente, por estarem presentes na história da humanidade seriam capazes de promover reações emocionais profundas em seus interlocutores.
INCONSCIENTE COLETIVO
A ideia de um inconsciente coletivo é fascinante, mas foi um dos motivos de briga e rompimento entre Jung e Freud. Jung foi um dos discípulos de Freud – pai da psicanálise – porém, suas ideias para a psicanálise o levaram por outros caminhos que não eram bem vistos por Freud, em especial, as questões ligadas à religião e sexualidade.
Jung, não entendia a sexualidade como central na configuração psíquica – como era compreendida por Freud –, para ele essa era apenas mais uma das forças que deveriam ser consideradas. Todavia, para o pai da psicanálise (Freud) a sexualidade, como libido, era central e de relevância ímpar na construção de toda sua arquitetura conceitual.
O outro ponto de ruptura entre os dois foi, justamente, a questão do inconsciente coletivo. Para Freud o inconsciente é uma parte da psique humana acessada somente por atalhos e desvios, jamais diretamente. Por isso, o analisando relata seus sonhos ao psicanalista, ou o psicanalista retoma com seu analisando os deslizes que cometeu durante a terapia, por exemplo, quando troca uma palavra amável por outra mais raivosa. Segundo Freud são nesses momentos que o inconsciente escapa e se faz presente.
Jung também considerava o inconsciente como sendo essa parcela desconhecida da psique humana, todavia, entendia que havia algo que ajudaria a compô-lo, algo como uma herança compartilhada pela humanidade. Essa herança estaria depositada no inconsciente coletivo.
Jung se aproximava bastante do misticismo como fonte para suas construções teóricas. Já Freud, que tentou construir a psicanálise a partir do status de ciência com características peculiares ainda assim com um fazer científico, entendia que era preciso se distanciar de tudo o que estivesse relacionado à religião ou ao místico, para que a psicanálise não fosse vista como uma ciência menor.
Em síntese, o Inconsciente Coletivo seria…
[...] um conjunto de ideias que antecedem o indivíduo e compõem a manifestação da sua personalidade. Desse repertório de saberes compartilhados entre humanos, alguns itens são recorrentes e carregam estruturas delimitadas e reconhecíveis. Denominados de arquétipos, esses elementos têm ligação com os mitos de diversas culturas e formam, junto a outros fatores, a personalidade do sujeito. (sem autor, 2022, p 49-50)
ARQUÉTIPOS E TARÔ
Arquétipos são representações poderosas, que conseguem chegar com maior precisão ao emocional das pessoas e entrar em certa camada da sua consciência que está mais desguarnecida, exatamente por isso é um conceito apropriado para se pensar marcas e a comunicação publicitária.
São incontáveis as possibilidades de pensarmos os arquétipos, mas particularmente gosto muito de usar como guia o Tarô. Apenas por curiosidade – Jung estudou bastante o tarô além de outras formas de misticismo.
O tarô tem uma história interessante e uma origem desconhecida, ou melhor, não capaz de ser identificada com tanta clareza. Alguns dizem que o tarô remonta ao Egito antigo, outros que surgiu como jogo de baralho nas cortes europeias durante a Idade Média.
Fato é que o tarô tem se mostrado um jogo interessante por gerações e persistido por alguns séculos da nossa história (existem baralhos antigos expostos em museus).
No tarô as cartas são divididas em arcanos maiores e arcanos menores. Os arcanos maiores são os arquétipos de fato, a generalidade de conteúdo que está presente, como herança, em toda coletividade e são 22 lâminas. Os arcanos menores estão divididos em 4 naipes (conforme o baralho regular) e contém 72 cartas.
Eu irei me deter somente nos arcanos maiores, que são:
O Louco
O Mago
A Sacerdotisa
A Imperatriz (no Tarô seria uma das representações do arquétipo “Mãe”)
O Imperador
O Papa
Os Enamorados
O Carro
A Força
O Eremita
A Roda da Fortuna
A Justiça
O Enforcado
A Morte
A Temperança
O Diabo
A Torre
A Estrela
A Lua
O Sol
O Julgamento
O Mundo
Não pretendo esgotar as possibilidades de significação de cada arquétipo (vou chamar de arquétipo e não arcano, porque não estou discutindo o jogo do tarô e sim essas imagens coletivas), mas mostrar um pouco como podem ser usados. No final dessa newsletter eu indico algumas leituras, dentre elas aquelas que podem trazer mais dados sobre os arcanos maiores.
IMPORTANTE: o relevante nos arcanos não é sua relação com o místico, com a previsão de futuro, ou com a orientação e conselhos para a vida ou coisas do tipo. Os arcanos traduzem conteúdos coletivos presentes em todas as culturas, por isso, eu os considero uma síntese excelente dos possíveis arquétipos e um guia ótimo e fácil de uso.
Vejamos alguns exemplos:
Normalmente, bancos trabalham muito com o arquétipo do Imperador, pois precisam transmitir solidez, assertividade e liderança. Todavia, os novos bancos digitais têm trabalhado muito mais com o arquétipo do Mago, que é o realizador, aquele que faz, executa, que coloca em movimento diversas forças complementares.
O Carro, como arquétipo da mudança desejada, é bastante trabalhado pelas novas empresas de aluguel ou mesmo de turismo. Já a Imperatriz, que representa a abundância, a germinação, a nutrição e a prosperidade aparece em marcas de alimentos infantis ou mesmo de alimentos saudáveis.
Os exemplos acima demonstram apenas como as características mais gerais do arquétipo podem ser usadas e encontradas em diferentes marcas ou mesmo segmentos de mercado.
ARQUÉTIPOS E O BRANDING
Só fará sentido para a marca se o arquétipo for usado como inspiração para o desenvolvimento da Brand Persona. Não trabalho a ideia do arquétipo na construção do posicionamento, propostas de valor, propósito da marca ou outro item mais estruturante, eu uso essa ferramenta poderosa somente para a construção da personificação da marca.
Portanto, para chegar nessa etapa é necessário ter uma noção completa das informações de briefing: mercado; público-alvo; concorrentes; histórico de comunicação (caso haja). Coletadas e analisadas as informações do briefing é necessário se construir o brand plan (propósito, missão, valores, propostas de valor, posicionamento entre outros itens).
A Brand Persona é um dos últimos itens nessa construção, pois ela sintetizará tudo o que foi discutido e analisado anteriormente. Uma forma de encontrar a síntese correta é identificar entre o arquétipos do tarô aqueles que poderiam representar a marca em suas características mais gerais, mais coletivas.
Vamos trabalhar com o exemplo de uma marca no segmento de tecnologia financeira focada na Geração Y (Millenials). Lembrando que para chegar nesse momento - desenvolvimento da Brand Persona - todas as análises anteriores já foram realizadas.
Normalmente, divido em Personalidade x História do arquétipo para entender o funcionamento geral da marca, conforme demonstrado na figura acima. Além disso, como todo arquétipo sempre há uma face solar e uma face sombria e é importante lidar com a sombra também, para que o aprendizado ocorra.
Todos os itens associados ao arquétipo “O Louco” são conduzidos pelas características mais gerais dessa herança coletiva. O bobo da corte é uma das imagens que representa esse arquétipo em nossa cultura, além do aventureiro, do lobo solitário, do nômade entre tantos outros.
Essa construção organiza a Brand Persona em seu arquétipo, mas eu gosto de incluir uma segunda etapa que é transformar esse arquétipo em uma imagem arquetípica, ou seja, dar uma cara para ele. Então, aqui entra de fato a persona – uma pessoa que apresente características, atitudes, jeitos, ações e maneiras de fazer e falar associadas à essa imagem poderosa.
Essa persona pode tanto ser alguém existente (o documento da Brand Persona é usado internamente pela marca e seus fornecedores, portanto, não há problema em trabalhar com pessoas conhecidas), quanto pode ser uma invenção que faça sentido para a marca.
Particularmente, gosto de trabalhar com pessoas reais, pois são capazes de trazer verdade à marca e a essa estratégia de branding.
BOAS LEITURAS SOBRE O ASSUNTO
Um livro interessante que pode ser consultado sobre o Tarô a partir da visão da psicologia analítica é o – Jung e o Tarô: uma jornada arquetípica, de Nichols. O autor apresenta o tarô – em especial seus arcanos maiores – como uma jornada (usando a base da jornada do herói) para mostrar como as cartas narram uma história coletiva poderosa, que apresenta os principais desafios e oportunidades de qualquer sujeito.
Outra boa fonte de consulta, mas que necessita de algumas adequações para fazer sentido em sua aplicação para marcas nacionais, é o livro - O herói e o fora da lei: como construir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos. Os autores fazem aplicações de arquétipos para compreender marcas e suas dinâmicas, porém todas as marcas são do mercado estadunidense, portanto, nem sempre pertinentes para nós.
Nesse livro os autores também elencam alguns representantes arquetípicos como “O Governador”, “O Herói” entre outros para discutir seu impacto na construção de marcas.
Seguem mais algumas referências, para você que se interessou pelo assunto:
ANAZ, Sílivio Antonio Luiz. Teoria dos arquétipos e construção de personagens em filmes e séries in Revista Significação, São Paulo, v. 47, n. 54, p. 251-270, jul-dez. 2020. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/significacao/article/view/159964/161882.
CAMPBELL, J. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix; Pensamento, 1997.
CAMPBELL, Joseph. As transformações do mito através do tempo. 2ª edição. São Paulo: Cultrix, 2015.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2014.
MARK, Margaret, PEARSON, Carol S. O herói e o fora da lei: como construir marcas extraordinárias usando o poder dos arquétipos. São Paulo: Cultrix, 2003.
NICHOLS, S. Jung e o Tarô: uma jornada arquetípica. 1ª edição. São Paulo: Cultrix, 1988.
Sem autor. Coleção Saberes: 100 minutos para entender Jung. 2ª edição. Bauru, São Paulo: Astra Cultural, 2022.
ARQUÉTIPOS À NOSSA VOLTA
Nossas ações e comportamentos são conduzidos por esses movimentos coletivos, afinal, o sujeito é fruto de seu contexto (cultura, história, grupos sociais, heranças etc), ou seja, ele é impactado por esses conteúdos mais primevos e coletivos.
Use os arquétipos na construção das personas das marcas e verá o quanto esse recurso é poderoso para indicar caminhos narrativos.